(Oxum, em mim)
"Alice Através do Espelho" mostra o tempo como um senhor que ninguém deseja como inimigo.
Interessante!
Bom, definitivamente, "todo mundo" acha impossível o suporte da tv do quarto ter despencado. "Bem, alguém se dependurou nele..." foi a incômoda frase que recebi de um amigo. Podia ter caído enquanto eu estivesse passando, por exemplo... ou o Ricardo.
Dos males o menor: foi apenas uma tv e não atingiu ninguém. Graças a Deus.
Confesso que essa noite dormi com um certo receio, embora não tivesse nada para 'cair'. Acordei e olhei no relógio. Tudo que eu não queria era que fosse 3 da manhã. Não era. Era 2:59... "putz", pensei, enquanto sentava com dificuldade na cama (ainda sinto dores na coluna) e olhava para o corredor. Prática antiga essa, de olhar para o corredor na madrugada.
Quando eu era criança, cansei de ouvir passos no corredor sem ter absolutamente ninguém passando.
Uma vez, estava vindo para a sala quando dei de cara com uma sombra enorme, negra. Foi tão inesperado que coloquei as mãos na frente do corpo, ato reflexo que você faz para não trombar com alguém. A sombra passou por mim. Isso durante o dia.
Enfim, histórias e histórias nesse corredor. Pra minimizar um pouco a coisa, fiz um altarzinho bem no final dele. Como gosto muito de anjos - as pessoas não sabem e mesmo assim me dão anjos de presente, todos os que eu tenho eu ganhei - coloquei todos nesse altar, junto com algumas imagens religiosas, principalmente de Maria.
Hoje tem uma imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós também, mas uma das minhas favoritas sempre foi Fátima.
Nesse altarzinho eu coloco flores, acendo velas, rezo. E, quando estava no candomblé, logo abaixo dele, ficavam três imagens de três orixás - Oxum, Xangô e Oxalá. Por acaso, os três primeiros orixás que regem a minha vida, embora as imagens tivessem sido compradas antes de saber disso.
Oxóssi continua no terraço, e vou limpá-lo daqui a pouco. As coisas da pombagira já foram despachadas numa encruzilhada em T que eu particularmente gosto, longe da minha casa. A champagne foi bem aproveitada, tanto da garrafa quanto do pouquinho que restava na taça, antes cheia. Ninguém me viu saudando a entidade nessa encruzilhada, bem às seis da tarde. Haviam outras entidades no local, apenas observando. Despejei todo o resto da champagne na grama do lugar e bati "paô", a saudação rítmica feita com palmas que põe um selo em qualquer oferenda ritualística no candomblé.
Qualquer entidade entende essas palmas como sinal de respeito e de "está feito, acabou".
Quarta passada, enquanto estava indo para o ensaio da Brexó, ainda aqui em Elias Fausto, tomei um daqueles sustos ao ver um espírito caminhando pela rua, um pouco à frente do carro. A reação nunca é "ah, olha, um espírito". A reação é "um ser humano doido caminhando no meio da rua, quer ser atropelado, ô mané?". Só quando o "ser humano" desaparece bem na minha frente é que a ficha cai sobre o que se trata.
Era um moço com uma camisa xadrez marrom e branca, calça jeans. Caminhava de costas para o carro, no meio da rua. Joguei o carro para a esquerda, apenas para olhar de lado e vê-lo desaparecer.
Fiquei alerta depois disso. Fui devagar e com atenção. É a terceira vez que um espírito surge na frente do carro. Nas duas primeiras vezes, isso aconteceu na estrada.
E foi numa estrada, durante o dia, que encontrei um senhor negro inteiro vestido de vermelho. Estrada de terra, canavial dos dois lados, um dos 'atalhos' para ir para Capivari. Quando o horário me dizia que seria um saco pegar a rodovia do açúcar, optava por essa estrada.
Passei por ele e ele me fez um sinal. Continuei andando mas, de repente, freei o carro e dei ré. Abri o vidro do passageiro e disse "o senhor quer uma carona?" e quando olhei para ele sabia que era Exu. Sabia que era Exu desde o começo. Ele disse "não, obrigado. Fiz um sinal apenas para lhe dizer que Deus sempre a acompanha".
Insisto "mas o senhor não quer uma carona?". Ele "Não. Eu moro aqui" (Exu é o deus das encruzilhadas e das estradas).
Não havia nenhuma casa no local, apenas cana-de-açúcar. Agradeci, segui em frente, olhei pelo retrovisor e, claro, o senhor tinha sumido.
Quer mais historinhas? Nem sei porque estou escrevendo isso. Mas dariam um livro.
Não por acaso hoje é segunda, dia de Exu, dia escolhido para despachar para uma entidade que me acompanha e para limpar Oxóssi. Vou desmontar o assentamento do Orixá e limpar com cuidado as coisas. A otá - a pedra onde foram feitos os sacrifícios de animais - será guardada.
Rs, sacrifícios de animais. Deu um frio na espinha, caro leitor? É bom lembrar que eu estava no candomblé, não numa sessão espírita kardecista limpinha. Nunca houve qualquer empecilho, moral ou de qualquer outra natureza, a respeito dos sacrifícios de animais no candomblé para mim. Primeiro porque entende-se o propósito, segundo porque um frango ou qualquer outro animal que não seja doméstico - um cachorro ou um gato jamais iria concordar em ser sacrificado - é abatido com crueldade nos diversos matadouros do mundo, crueldade que não existe no candomblé e, terceiro, não hesitaria em matar um bode para que alguém fosse curado, por exemplo.
Sem nenhum dó, culpa, ou quaisquer outros sentimentos.
Sempre bom lembrar, aliás, que, sendo de Oxum, bruxa, cabia a mim e somente a mim manipular as vísceras de qualquer animal. ....
Evidente que essas coisas são destinadas apenas para os feitos de santo, os iniciados na religião. Ninguém põe a mão em nenhum bicho sem ser do terreiro, para limpá-lo ou qualquer ato similar. Clientes, no máximo, seguram uma galinha em determinadas limpezas, ou outros animais dependendo do que foi tratado, combinado, esclarecido pelos búzios.
Tá, não vou negar: entendo o processo, faz parte da religião, mas não que eu ache que precise. Estava lá e fazia de acordo com as regras. Cansei de limpar frangos e galinhas - pelo menos hoje sei limpar um frango, se um dia morar num sítio e precisar pegar um para o almoço, rs - mas... na verdade tinha uma coisa que me incomodava muito mais dentro do candomblé.
Não vou descrevê-la aqui, mas pode ficar sossegado, leitor. Era muito mais light.
É a tal história: pequenas coisas que viram grandes incômodos. Na primeira vez que saí do candomblé, foi por esse pequeno "detalhe". Tomei uma bronca imensa, na frente de todo mundo, enquanto permanecia com a cabeça baixa mas com tudo muito certo na mente: "não quero, ponto final".
"É AXÉ" me dizia o pai-de-santo, irritado. "Eu sei, mas eu não quero hoje ter que lidar com isso" era a minha resposta simples e calma.
Tá ok, para o leitor não ficar com a pulga atrás da orelha: era um banho. Não gostava de tomar um determinado banho. Uma daquelas coisas desagradáveis que fazem você sarar de imediato se o seu problema for espiritual. Problema era que o cheiro não era agradável e eu, a filha de Oxum, a vaidosa filha de Oxum, não lidava bem com isso. Apenas isso! Queria estar sempre perfumada. rs
Isso me levou a sair do candomblé pela primeira vez.
Voltei alguns meses depois, a tempo de fazer um ano de santo.
Essa noite, sonhei que tinha voltado ao candomblé. Apenas isso. Completo três anos de santo em março do ano que vem. Um, três, cinco e sete são anos comemorados no candomblé com festa.
"Ainnnnnnnn, mas vc também não se decide, né Lucy Glamour" - pode ser o seu pensamento agora. Não, não vou voltar. Não tenho a menor vontade de voltar. Amo Oxum. Mas não vou voltar ao candomblé. Aliás a casa não existe mais, foram para outro lugar, estão se organizando - acredito - o terreiro acabou. Não tenho nenhum contato com os irmãos de santo.
Bom, post meio sobrenatural esse, néam. Vou sair para fazer algo igualmente sobrenatural: limpar um orixá. rs
Boa noite!

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