quinta-feira, 23 de junho de 2016

Na igreja.




Só quero deixar registrado no blog a missa que assisti na terça, na igreja de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, em Campinas.

Foi muito significativa para mim.

A igreja é linda, tudo é lindo, mas não é só isso. Existem outras coisas que não vou escrever em detalhes aqui, não agora. O que importa e quero deixar escrito são, além da homilia normal da missa, as palavras certeiras de um padre gringo (francês), simpático, antes da missa.


Vieram de encontro com muita coisa na minha vida. Ele balançava um pêndulo no altar, enquanto falava sobre o passado e sobre o futuro. 


Resumindo, dizia para os fiéis viverem no presente. Disse que o passado é um monte de cinzas e que, a cada vez que falamos dele, assopramos sobre elas, fazendo com que algum braseiro se acenda.

O futuro não existe, basicamente. 

E enquanto estivermos com a cabeça e o coração ligados nesses dois mundo que não existem, oscilando entre eles, perdemos os momentos preciosos do presente que é, afinal, tudo o que temos.

A ideia não é nova, não é nada fora do que a gente normalmente pensa, viver o presente. Sim. Mas não sei por quê, ali, naquele momento, foi tão impactante para mim. Tão impactante. Talvez porque eu não estivesse esperando ouvir exatamente isso.

Outra coisa que muito me marcou: sentei numa lateral, perto da imagem de Nossa Senhora. E, na hora da comunhão, eles dividem a igreja em três filas. A minha localização me mandou para a fila das pessoas que comungam ajoelhadas, diante da bela imagem. Claro que chorei, e lá estava o mesmo padre - o padre do pêndulo, que não era o celebrante da missa - nos dando a eucaristia.

Ao final da missa, ele me deu um cartão com uma oração, mas não sem antes me dizer "só entrego se você sorrir". 

Devia estar séria. De novo, as palavras foram fundo no meu coração.

"Só entrego se você sorrir". A frase ficou na minha cabeça. Virou lei.

Hoje, do nada, o pastor da igreja evangélica onde eu tocava resolveu me mandar uma mensagem. Acho que faz uns dois meses que não vou mais lá e sabia - porque aqui em Elias a gente fica sabendo sobre outras pessoas mesmo sem perguntar - que ele estava nos EUA. Não entrei em contato. E hoje ele me manda uma mensagem dizendo que está no EUA e que gostou do meu cabelo "azul" (a foto da "Katy Perry com Frio" do meu whatssap).

Aproveitei e disse a ele que não iria mais na igreja protestante. Que tinha ido na católica (não especifiquei), que tinha passado por alguns problemas e tinha encontrado alívio na eucaristia e na missa. 

Esses dias mesmo estava escrevendo aqui no blog sobre como não tinha ido mais na igreja evangélica, sem dar maiores explicações, não é?

Pois agora dei. Agradeci a oportunidade, é claro.  Deixei claro que era uma escolha minha, admiti que poucos pastores fariam o que ele tinha feito (me colocar pra ministrar louvor sem nem me conhecer direito, sabendo que tinha acabado de sair do candomblé - muitos esteriótipos e preconceitos envolvidos aí). Ele aceitou de boa, disse que fez "o que podia fazer" por mim e que eu me sentisse livre para congregar onde quer que fosse. 

E que a amizade continua etc etc etc. Uhum. rs

Sou muito observadora em relação a religião. Não iria amarrar o meu barquinho em qualquer igreja e não que a igreja dele seja qualquer igreja, não é isso... problema é essa observação silenciosa e a minha intuição. Fora o fato de eu ser um pouco desconfiada. Enfim. E eu tentei, hein. 

Eu nunca vou num lugar com desconfiança total. Senão, nem iria. Para mim, o sagrado depende muito mais da pessoa que procura do que propriamente do lugar. Claro que existem lugares que obviamente são intragáveis mas, mesmo assim, para mim, Deus não está olhando para o lugar quando um ser humano resolve buscá-Lo com sinceridade. O lugar e o que porventura estiver errado nele é outro assunto. Se houver oração legítima, Deus ouvirá.

Fiz um ano de seminário na Nazareno em Indaiatuba e me lembro perfeitamente de uma discussão em classe sobre a 'validade' de uma oração feita por uma prostituta num motel, por exemplo. Com muita sabedoria e calma, o professor virou para nós e disse "Deus está em cada tijolo que constitui o motel. Está nas paredes. Deus está em todos os lugares, onde houver um coração sincero".

Emudeceu a classe, evidentemente. Era muito interessante, o seminário. Eu gosto de estudar.

Tenho um compromisso e sei que devo cumpri-lo. Isso é tão certo para mim quanto a música. É desde pequena. Envolvia desde leituras sérias (na medida da compreensão de texto de uma criança....) até brincadeiras....rs, brincava de missa. Eu era o 'padre'. Forçava minha melhor amiga a vir de joelhos, com um véu sobre a cabeça, do meu quarto até a sala, onde eu estava com um cálice dourado da minha mãe nas mãos. 

A "hóstia" era Mentex.  hehe

Mas houve momentos mais sérios e marcantes, também. Eu era assim: estudava de manhã, chegava, almoçava e me sentava numa cadeira de balanço que tinha sido da minha avó e que ficava no meu quarto. Lia durante horas e depois ía estudar piano. Era isso, basicamente, todo dia.

Numa dessas leituras - não vou me lembrar, podia ser a bíblia, podia ser um dicionário, eu lia absolutamente tudo - chorei, pensando que não poderia ser "padre" e que freiras não falavam nas missas. Chorava porque me imaginava não no altar, mas entre o povo, no corredor, falando sobre como Deus amava aquelas pessoas. E me perguntava porque o padre não fazia isso.

Eu tinha o quê? Oito, nove anos? Dez, no máximo. Com onze eu estudava à tarde e os interesses começaram a ser outros. rs

Quando estava na Nazareno em Indaiatuba realizei esse desejo de infância, saindo do púlpito e me dirigindo às pessoas nos corredores, microfone na mão, enquanto cantava e falava o quanto Deus amava aquelas pessoas. Olhos nos olhos. Do jeito que eu queria. 

(Quando você está na frente de pessoas falando coisas, elas começam a te ver de outra forma. E eu sou como todo mundo. Isso me incomodava demais. Assunto para outro post)

Poderia contar outras coisas. Mas vamos parar por aqui. O que eu quero deixar escrito é que ontem foi maravilhoso para mim.

Boa noite!

















segunda-feira, 20 de junho de 2016

Segunda-feira



(Oxum, em mim)




"Alice Através do Espelho" mostra o tempo como um senhor que ninguém deseja como inimigo. 
Interessante!

Bom, definitivamente, "todo mundo" acha impossível o suporte da tv do quarto ter despencado. "Bem, alguém se dependurou nele..." foi a incômoda frase que recebi de um amigo. Podia ter caído enquanto eu estivesse passando, por exemplo... ou o Ricardo.

Dos males o menor: foi apenas uma tv e não atingiu ninguém. Graças a Deus.

Confesso que essa noite dormi com um certo receio, embora não tivesse nada para 'cair'. Acordei e olhei no relógio. Tudo que eu não queria era que fosse 3 da manhã. Não era. Era 2:59... "putz", pensei, enquanto sentava com dificuldade na cama (ainda sinto dores na coluna) e olhava para o corredor. Prática antiga essa, de olhar para o corredor na madrugada.

Quando eu era criança, cansei de ouvir passos no corredor sem ter absolutamente ninguém passando. 

Uma vez, estava vindo para a sala quando dei de cara com uma sombra enorme, negra. Foi tão inesperado que coloquei as mãos na frente do corpo, ato reflexo que você faz para não trombar com alguém. A sombra passou por mim. Isso durante o dia.

Enfim, histórias e histórias nesse corredor. Pra minimizar um pouco a coisa, fiz um altarzinho bem no final dele. Como gosto muito de anjos - as pessoas não sabem e mesmo assim me dão anjos de presente, todos os que eu tenho eu ganhei - coloquei todos nesse altar, junto com algumas imagens religiosas, principalmente de Maria. 

Hoje tem uma imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós também, mas uma das minhas favoritas sempre foi Fátima.

Nesse altarzinho eu coloco flores, acendo velas, rezo. E, quando estava no candomblé, logo abaixo dele, ficavam três imagens de três orixás - Oxum, Xangô e Oxalá. Por acaso, os três primeiros orixás que regem a minha vida, embora as imagens tivessem sido compradas antes de saber disso.

Oxóssi continua no terraço, e vou limpá-lo daqui a pouco. As coisas da pombagira já foram despachadas numa encruzilhada em T que eu particularmente gosto, longe da minha casa. A champagne foi bem aproveitada, tanto da garrafa quanto do pouquinho que restava na taça, antes cheia. Ninguém me viu saudando a entidade nessa encruzilhada, bem às seis da tarde. Haviam outras entidades no local, apenas observando. Despejei todo o resto da champagne na grama do lugar e bati "paô", a saudação rítmica feita com palmas que põe um selo em qualquer oferenda ritualística no candomblé.

Qualquer entidade entende essas palmas como sinal de respeito e de "está feito, acabou".

Quarta passada, enquanto estava indo para o ensaio da Brexó, ainda aqui em Elias Fausto, tomei um daqueles sustos ao ver um espírito caminhando pela rua, um pouco à frente do carro. A reação nunca é "ah, olha, um espírito". A reação é "um ser humano doido caminhando no meio da rua, quer ser atropelado, ô mané?". Só quando o "ser humano" desaparece bem na minha frente é que a ficha cai sobre o que se trata.

Era um moço com uma camisa xadrez marrom e branca, calça jeans. Caminhava de costas para o carro, no meio da rua. Joguei o carro para a esquerda, apenas para olhar de lado e vê-lo desaparecer.

Fiquei alerta depois disso. Fui devagar e com atenção. É a terceira vez que um espírito surge na frente do carro. Nas duas primeiras vezes, isso aconteceu na estrada.

E foi numa estrada, durante o dia, que encontrei um senhor negro inteiro vestido de vermelho. Estrada de terra, canavial dos dois lados, um dos 'atalhos' para ir para Capivari. Quando o horário me dizia que seria um saco pegar a rodovia do açúcar, optava por essa estrada. 

Passei por ele e ele me fez um sinal. Continuei andando mas, de repente, freei o carro e dei ré. Abri o vidro do passageiro e disse "o senhor quer uma carona?" e quando olhei para ele sabia que era Exu. Sabia que era Exu desde o começo. Ele disse "não, obrigado. Fiz um sinal apenas para lhe dizer que Deus sempre a acompanha". 

Insisto "mas o senhor não quer uma carona?". Ele "Não. Eu moro aqui" (Exu é o deus das encruzilhadas e das estradas).

Não havia nenhuma casa no local, apenas cana-de-açúcar. Agradeci, segui em frente, olhei pelo retrovisor e, claro, o senhor tinha sumido.

Quer mais historinhas? Nem sei porque estou escrevendo isso. Mas dariam um livro. 

Não por acaso hoje é segunda, dia de Exu, dia escolhido para despachar para uma entidade que me acompanha e para limpar Oxóssi. Vou desmontar o assentamento do Orixá e limpar com cuidado as coisas. A otá - a pedra onde foram feitos os sacrifícios de animais - será guardada.

Rs, sacrifícios de animais. Deu um frio na espinha, caro leitor? É bom lembrar que eu estava no candomblé, não numa sessão espírita kardecista limpinha. Nunca houve qualquer empecilho, moral ou de qualquer outra natureza, a respeito dos sacrifícios de animais no candomblé para mim. Primeiro porque entende-se o propósito, segundo porque um frango ou qualquer outro animal que não seja doméstico - um cachorro ou um gato jamais iria concordar em ser sacrificado - é abatido com crueldade nos diversos matadouros do mundo, crueldade que não existe no candomblé e, terceiro, não hesitaria em matar um bode para que alguém fosse curado, por exemplo.

Sem nenhum dó, culpa, ou quaisquer outros sentimentos.

Sempre bom lembrar, aliás, que, sendo de Oxum, bruxa, cabia a mim e somente a mim manipular as vísceras de qualquer animal.  ....

Evidente que essas coisas são destinadas apenas para os feitos de santo, os iniciados na religião. Ninguém põe a mão em nenhum bicho sem ser do terreiro, para limpá-lo ou qualquer ato similar. Clientes, no máximo, seguram uma galinha em determinadas limpezas, ou outros animais dependendo do que foi tratado, combinado, esclarecido pelos búzios.

, não vou negar: entendo o processo, faz parte da religião, mas não que eu ache que precise. Estava lá e fazia de acordo com as regras. Cansei de limpar frangos e galinhas - pelo menos hoje sei limpar um frango, se um dia morar num sítio e precisar pegar um para o almoço, rs - mas... na verdade tinha uma coisa que me incomodava muito mais dentro do candomblé. 

Não vou descrevê-la aqui, mas pode ficar sossegado, leitor. Era muito mais light.

É a tal história: pequenas coisas que viram grandes incômodos. Na primeira vez que saí do candomblé, foi por esse pequeno "detalhe". Tomei uma bronca imensa, na frente de todo mundo, enquanto permanecia com a cabeça baixa mas com tudo muito certo na mente: "não quero, ponto final".

AXÉ" me dizia o pai-de-santo, irritado. "Eu sei, mas eu não quero hoje ter que lidar com isso" era a minha resposta simples e calma. 

Tá ok, para o leitor não ficar com a pulga atrás da orelha: era um banho. Não gostava de tomar um determinado banho. Uma daquelas coisas desagradáveis que fazem você sarar de imediato se o seu problema for espiritual. Problema era que o cheiro não era agradável e eu, a filha de Oxum, a vaidosa filha de Oxum, não lidava bem com isso. Apenas isso! Queria estar sempre perfumada. rs

Isso me levou a sair do candomblé pela primeira vez.

Voltei alguns meses depois, a tempo de fazer um ano de santo.

Essa noite, sonhei que tinha voltado ao candomblé. Apenas isso. Completo três anos de santo em março do ano que vem. Um, três, cinco e sete são anos comemorados no candomblé com festa.

"Ainnnnnnnn, mas vc também não se decide, né Lucy Glamour" - pode ser o seu pensamento agora. Não, não vou voltar. Não tenho a menor vontade de voltar. Amo Oxum. Mas não vou voltar ao candomblé. Aliás a casa não existe mais, foram para outro lugar, estão se organizando - acredito - o terreiro acabou. Não tenho nenhum contato com os irmãos de santo.

Bom, post meio sobrenatural esse, néam. Vou sair para fazer algo igualmente sobrenatural: limpar um orixá. rs

Boa noite!













domingo, 19 de junho de 2016

Stronger Than Me





Hoje a TV do quarto despencou, às 5 da manhã.

TV, suporte, tudo no chão. Ouvi o barulho mas não acordei de imediato com ele. Estava sonhando. E o barulho a princípio fez parte do sonho, até acordar devagar e perceber que tinha acontecido alguma coisa. 

Era uma tv que estava no quarto há anos e não era mais usada, mas tinha joguinhos tipo "Atari" nela. E quando comprei, jogava muito todos eles. 

Não, não tive videogame na infância, em casa. rs As únicas vezes que joguei foram em Campos de Jordão, nas férias escolares, pois meus primos tinham. E, além disso, havia uma casa de jogos perto de onde minha tia morava e, enquanto minha mãe se divertia loja após loja, a criança aqui ficava com o dinheiro para se esbaldar nesse lugar.

Só tinha meninos. Eu era a única menina ali e, pelo que me lembro, passava horas nas máquinas. Nove anos. 

Enfim, acordada, assisti à missa do padre Marcelo Rossi pela tv e dormi novamente. Acordei às dez.

Assustei com o acontecido. É possível cair um suporte preso há anos nas grossas e antigas paredes desta casa? Ao que parece, sim. Evidente que a pulga fica atrás da orelha, mas ultimamente.... ultimamente um foda-se está constantemente ligado para determinadas situações. Apenas observo.

Infelizmente, o foda-se também está ligado ao que diz respeito às minhas adoradas questões e dúvidas religiosas. Não totalmente. Não totalmente, mas... parei de ir na igreja evangélica em que estava tocando, inclusive, e sem maiores explicações. Só eu. Só eu pra fazer esse tipo de coisa, joguei para o alto sem falar tchau. Não é legal, não é profissional e não é nem justo, eu diria... mas a coisa era muito "olha a OPORTUNIDADE que estou dando a você" (oportunidade, numa igreja sem músicos. Uhum).

Eu não queria a oportunidade, no momento. Queria ser cuidada. 

Águas passadas.

Estou indo para a última semana de férias e talvez nesta semana eu faça alguma coisa diferente, não sei. Ou fique por aqui mesmo, como fiquei até então. Sei lá. O cubo de gelo nas emoções volta com força e a vontade de fazer nada continua. 

Não odeio depender de pessoas, desde que as 'pessoas' sejam eficientes. Quando não são, aí sim o bicho pega. Depois de 1.547.570 ocasiões em que pessoas não foram eficientes você acaba simplesmente não esperando mais nada e fazendo a seu modo as coisas. É isso....

Tem muita mágoa aí. O momento não é propício. E tem muito mimimi também, meu, admito. Tô tentando dosar, em tudo. Nem sempre consigo. Nem sei de onde estou tirando paciência. É foda...

Ontem, tocando com muita dor, senti uma vibe que fazia um tempo que não sentia. Ao invés de tocar de qualquer jeito e cantar de qualquer jeito, como da última vez, quis fazer com que fosse um show de piano e um show de voz. Tudo muito caprichado e concentrado, tudo com calma, sem medo de improvisar no piano, na hora. "Stronger Than Me", uma música da Amy Winehouse que considero ser uma das melhores que canto, é meio um termômetro meu de "como está minha voz e o que estou passando". E ontem ela saiu per-fei-ta. Dou uma forçada no sotaque britânico típico da Amy Winehouse, com cuidado pra não ficar caricato ou esquisito. Gostei do que ouvi. Resumindo, tenho que ficar com uma puta dor insuportável por horas para resgatar alguma vontade de tocar, cantar e fazer direito, fazer valer, fazer para as pessoas que estão ali e não ficar na posição confortável "o dono me conhece, gosta de mim e pronto". A dor física fez minha vontade voltar, ontem.

Está longe do que eu quero, essa garra e essa vontade. Mas pelo menos deu algum sinal de vida... pelo menos ontem. 

Continuo com dores e parei de tomar remédio. Encheu o saco. Estou caminhando um pouco melhor. Vai passar... com os dias vai passar. Passou de uma dor generalizada para dois pontos específicos na coluna. Ok, se não passar vou no hospital, tomo uma injeção e voilà, pronta para a próxima crise. rs

Talvez nesta última semana de férias eu faça algumas caminhadas. Gosto. Não quero ficar alimentando neuras. Amanhã terei que despachar as coisas oferecidas à minha pombagira. E talvez cuide de Oxossi, o orixá que continua bem protegido... no terraço de casa. Independente de qualquer coisa, sempre fiz tudo com respeito, e assim continuará a ser feito.








A maçã da maionese.





Às vezes, é preciso se concentrar em outras coisas, projetos, planos, sonhos, a puta que pariu, para tentar racionalmente controlar sentimentos insanos.

Luta constante entre o racional e o emocional. 

Sabe a excelente maionese feita com excelentes ingredientes mas que contém a maldita maçã picadinha que você não gosta? Pois bem. Você come a salada, deliciosa, suportando a frutinha no meio, porque compensa. Até que, num almoço, você decide não comer mais, só por causa da maçã.

E, se tiver só isso como alimento, você passa fome.

Sou racional, mas, uma ou duas vezes, joguei tudo para o alto sem vacilar, por bobagens. E não me arrependo. Chego à conclusão de que, se joguei para o alto, não eram bobagens, embora pudessem ser motivos pequenos. 

Motivos pequenos que se tornaram grandes incômodos.

No final, sempre observamos. 

Arranco a erva daninha do jardim, ou deixo o jardim ser tomado por ela, com a mesma eficiência. 

A questão do tempo vai além de um conceito do candomblé. O tempo realmente é senhor das situações, mostra a lealdade de uns, a esperteza de outros, indica com eficiência para onde o vento sopra, esclarece situações e eu tenho uma facilidade grande em saber quem as pessoas são antes de conhecê-las realmente. Não acerto todas, mas a maioria. No fim, com maior ou menor intensidade, todo mundo busca em primeiro lugar seu próprio bem estar. Acontece que alguns são muito filhos da puta nesse processo, enquanto outros se movimentam com um pouco mais de bom senso.

Meu posicionamento é simples: tento ajudar. Simples. Básico. Fácil. 

Sem ingenuidade, mas acreditando piamente na força do bem num aspecto mais amplo, mais transcendente. As conveniências e os jogos dessas pessoas não me atraem. Sei jogar, sei quando estão jogando, sei dos puxa-saquismos infindáveis que enchem o meu saco e me deixam um pouco enojada, mas a verdade é que sou livre. Veja bem... não se trata apenas da "força do bem". Se trata de ter princípios e agir de conformidade com eles. Quando reconheço lealdade, sou mais fiel que um cachorro...

Não significa que sou santa. No mundo dos bichinhos me recuso a ser a cobra. Deixo o universo ser a cobra por mim. 

Um texto enorme por uma pequena chateação, mas bola pra frente. Ao invés de tentar danificar o jardim alheio, me concentro em fazer do meu o mais lindo, colorido e cheiroso jardim que puder. Sorte de quem escolher passear por ele.


sábado, 18 de junho de 2016

Dores



Acabo de chegar do restaurante onde toquei. Comi muito e de propósito e, portanto, não posso nem pensar em dormir agora.

Escrevo "de propósito" porque geralmente como a metade do que acabei de comer para dormir logo mas, com essa dor insuportável, fiz questão de comer muito, de birra.

É a terceira ou quarta vez que fico travada assim. Na primeira eu, inocentemente, fui pegar uns galões de suco para o Guri e, na hora de tirar do carro, senti a dor. Não dei importância, fui para a minha sala e comecei a me sentir mal. Resolvi vir para casa e deitar um pouco... quando quis levantar, já era.

Desde então tenho tomado cuidado mas, claro, sem dor eu não fico pensando o tempo inteiro em tomar cuidado... 

Ontem fui cuidar das plantas e peguei um vaso, não muito pesado, colocando-o o chão. O movimento que fiz foi o bastante para começar a doer. Foi piorando, e eu teria ficado de repouso sem maiores problemas, se não tivesse que tocar hoje. Tomei remédios, relaxante muscular, remédio para dor... nada melhorou. E uma pessoa com dor é uma pessoa irritada, especialmente quando se trata de minha pessoa....

Pense, leitor, num mal humor infinito ao ir para Indaiatuba. Entrei no carro e me senti estranha, como se o movimento do carro me desse tontura. Em silêncio, entrei em pânico. Já estava pensando em ir direto para o hospital quando chegasse lá, me arrependendo de não ter desmarcado a data - não ía desmarcar um compromisso "só porque não consigo andar" (foi a resposta ríspida que dei para o meu marido). Ainda se estivesse sem voz.... mas doía, e está doendo, bastante.

Aí comecei a cantar, não conseguia virar as folhas da pasta, o movimento doía. Fiz um tremendo esforço, hoje. E a voz estava boa. Som bom. E eu na marra, com raiva. 

Fomos bem aplaudidos, o repertório surtindo o efeito esperado, que é mais ou menos "parem de comer e olhem espantados para a gente". Estou satisfeita com o resultado. Continuo com a dor, mas ok. Amanhã é domingo, ainda estou de férias, posso ir no hospital ou posso ficar quieta, quieta mesmo, na cama, apenas com anti-inflamatórios e os outros remédios... 

Não gosto dessa farmácia ambulante que estou me tornando, mas faz parte do momento.

Em uma dessas ocasiões de extrema dor, ainda estava no candomblé. Entrei no terreiro e o pai de santo vira e me fala "que dor é essa?! Que horror, senti aqui. Vou preparar um banho, vá direto para o banheiro. Tudo que eu não quero é ficar com dor hoje!". 

Não deu tempo nem de contar para ele que estava com dor....

Hoje, como médium, tenho uma explicação lado B,  um pouco mais sutil para isso... peguei "carrego", ou seja, alguém muito carregado e próximo a mim estava com sérios problemas. Cheguei perto, peguei, a pessoa ficou melhor e eu..... fiquei com o problema dela. Não que eu fique pensando que seja isso; mas a frase "você não acha estranho ficar assim? O vaso nem era pesado" que ouvi hoje, me fez lembrar dessa experiência no terreiro.

Sei fazer o banho que tomei aquele dia e que aliviou, sim, de imediato, as dores que sentia. Posso até fazer. Acontece que, como saí do candomblé, fico esperando que todo o "resto" também desapareça, de forma até ingênua, eu diria. Porque eu sei que não é assim que as coisas funcionam.

Médium é médium, e continua sendo médium mesmo fora de um terreiro; isso não se resume à sonhos, apenas. Mas ok. Ok. Tomarei as providências médicas e também as providências espirituais para a questão....

Por hora. Vou para a cama.







quarta-feira, 15 de junho de 2016

Não.







Amor, apego, desapego.
 Nº 1 - existe amor sem apego?

Nº 2 - existe apego sem amor? Sim, porque podemos nos apegar às situações e, se nos apegamos, não é porque elas nos causam "dor" e sim porque, naquele momento, de alguma forma, elas preenchem algum vácuo. O ser humano não se apega à dor, de forma alguma.

Nº 3 - se gostamos de alguém é ÓBVIO que temos medo de perder e, consequentemente, nos agarramos. Ser humano sendo ser humano.

Nº4 -  o apego não diz "eu te amo, por isso quero que vc me faça feliz". Quem diz isso é o egoísmo. O apego é só uma necessidade de um ser apaixonado e não é difícil de entender isso.

Nº 5 - Sim, o amor genuíno quer ver o outro feliz. Se isso me incluir, ótimo. Se não me incluir, vá para a &*%¨@#, seja feliz mas beeeem longe de mim. rs É uma questão de bom senso. 

Nº 6 - não acho que "quanto mais agarramos o outro com força, mais sofremos". Partindo da primícia que o outro também nos quer, essa frase é nonsense. Isso cabe quando um quer e o outro não. Ela está sendo muito abrangente, eu estou sendo mais específica. Ela condena o apego, eu digo que ela confunde apego com egoísmo ao longo de todo o vídeo.

Nº 7 - "porque quanto mais as pessoas se agarram a outras, mais isso demonstra que elas se importam, só que não" - viu, como se demonstra então que nos importamos com alguém? Ligando uma vez por ano? 

Nº 8 - "ser preenchido pelo outro" - isso pode se tornar um problema mas, Jesus, qual a dificuldade em ter uma outra pessoa e esperar que ela te ajude na sua vida? Dois se tornam um, o que não tenho pode, sim, ser preenchido pelo outro, e posso preencher o outro com o que ele não tem. Isso não é dependência doentia, é troca. Troca. Troca.

Nº 9 - "as pessoas deveriam se unir já se sentindo preenchidas por si mesmas" - novamente, quem consegue isso? Quem, no mundo, atual ou antigo, consegue ser "plenamente preenchido por si mesmo"?! Aliás, quem quer isso? Vamos todos morar em cavernas então, porque pessoas preenchidas por si mesmas não precisam de outra, e o verbo "precisar" aí está diretamente ligado à dependência sim, que por sua vez está ligado à apego, sim! Sim! Por isso as pessoas se casam, por isso namoram, por isso formam parzinhos, por isso esperam o telefonema do dia seguinte, por isso têm crushs. Esse idealismo - "vou encontrar a pessoa e vou ser feliz" - é o que move o mundo romântico. Uma frase não totalmente correta, admito, mas é assim..... desde sempre.

Nº 10 - "sensação de bem estar que elas não têm sozinhas" - o ser humano não foi feito para ficar sozinho. Eu posso ter bem estar sozinha por uns momentos, fazendo as coisas que eu gosto de fazer, mas quando o momento passar fatalmente eu vou sentir falta de alguém com quem eu possa compartilhar ideias, planos, piadas, birras. 

Nº 11 - "projetar fantasias românticas no outro" - mas essa é a parte divertida, my fucking dear monja! Imaginar no outro a felicidade, se perder no olhar do outro, noites sem dormir, viajar em canções de amor, olhar para o céu, para o nada, coração acelerar ao ouvir a voz, ansiedade, sofrimento, paixão!! Se isso é amor genuíno? Pode não ser, mas é humano! Totalmente humano e totalmente demais, faz a pessoa se sentir viva! Toda história de amor começa com a projeção no outro que causa tudo isso, faz parte do processo HUMANO. Quem não quer? Quem não quer?? Só uma monja budista.

Nº 12 - "algo que nunca o outro será capaz de corresponder" - comassim? Conhece o outro, por acaso? Tu anda com meus nego, pra falar isso?! Oras!

Nº 13 - "uma pessoa comum, também lutando" - sim. Sim. E...? Lutaremos juntos, então. 

Enfim, uma monja que não manja dos paranauê do amor e do romance, da loucura, do desejo, dos olhares, peitos ardendo, beijos de língua, línguas, lua cheia no céu, mãos frenéticas pelo corpo, arrepios e etc etc etc etc. E não adianta pôr fundo musical de violãozinho, porque o amor pede um blues sofrido, um rock pesado, um jazz classudo, um forró arretado. Tudo, menos a morosidade.

Muito mais fácil viver fora do mundo do que nele.



terça-feira, 14 de junho de 2016

O sol perdido entre árvores às seis da tarde.








E tudo o mais era distante
Era um sonho numa cama fria
Como o pulsar de uma máquina
As batidas de um coração.

A máquina não é o coração
Ela apenas aponta a existência 
O coração de fato está dentro
Não se vê mais
Não se vê, mas
Sabe-se que em algum lugar.

Tudo o mais era o céu
O horizonte, a linha, a cor laranja
Era esperança
Na insistência de captura
O sol perdido entre árvores às seis da tarde

Era tudo alma.
Gêmea, siamesa, confusa
Eram suspiros entre letras inexistentes
Ânsia,  ímpeto, insistente 
Tempo ocupado por pulsantes
De um coração

Sabe-se que em algum lugar.

Hoje o silêncio fala
Discursa veladamente para os cegos
Para os trôpegos das calçadas.
Grita nas esquinas e sussurra para o nada
Desenha os amores
Desenha as dores
Rabisca o pensamento que voa insone
Era tudo sempre.

O esforço de um coração acelerado
ofegante
Sabe-se que em algum lugar
Na neblina de uma rua mal iluminada

Continua.







Mariene é de Oxum.











Achei algo para ouvir.

O cd da Mariene, Colheita. Tenho porque sou fã dela. E essa é uma das minhas músicas preferidas do cd.

Consigo ouvir.

Me dá nostalgia porque eram as músicas que vinha ouvindo no carro, de madrugada, depois de longas horas no candomblé.

Mariene é minha irmã de santo, somos da mesma nação, Ketu - antigo Benin, atual Nigéria - temos o mesmo axé que é o do Gantois, na Bahia. Ela foi feita por mãe Carmen, filha de mãe Menininha do Gantois. Fui feita por pai Celso e vô Julio, ambos filhos de Ya Juju que, por sua vez, é filha de mãe Menininha.

Mãe Menininha é minha tataravó de santo.

Fora a questão religiosa, Mariene é de Oxum, embora seja Oxum Opará (quase certeza) e eu sou Oxum Ypondá. Opará, Ypondá, Kare, Ijimu, são as qualidades de Oxum, cada uma relacionada a uma parte de um rio.

Pois Oxum é dona das águas doces, todos os rios lhe pertencem, e há rios calmos, há rios profundos, há a margem do rio, as correntezas.... cada aspecto corresponde à uma qualidade, e Ypondá, minha Oxum, está relacionada à beira do rio. É uma das Oxum mais novas, e uma das mais guerreiras.

Enfim. Bora ouvir Mariene. Encontrei algo que me deixa tranquila.

Tô brincando. Não vou ouvir nada.


Sonhos







Eu fico impressionada com os meus sonhos.

Não importam o quanto dêem certo, e dão certo desde criança - por isso presto tanta atenção. A cada vez que um sonho, que vem como aviso, se concretiza no dia seguinte, minha reação é a mesma: perplexidade.

É um dom. Não importa onde eu esteja, em qual sistema religioso esteja, a sensibilidade continua comigo. E é óbvio. Todos têm, em maior ou menor grau. Acontece que, com essa vida louca que as pessoas levam, elas não conseguem ver. Algumas conseguem, mais ou menos. 

Na verdade, com essa vida louca que as pessoas levam, parece uma coisa meio demodé e ingênua dizer que se acredita em sonhos, ou que aconteceu uma premonição, ou que se passou por uma situação difícil e na hora 'H' a providência divina agiu. Admiro quem admite isso. Mas a verdade é que as pessoas têm coisas mais importantes com o que se preocupar...

Escrevo isso enquanto fumo um cigarro atrás do outro, nervosa pra variar, tendo que fazer valer minha voz de "diretora da Cultura de Elias Fausto", imersa num problema que julgava estar resolvido, em pleno período de férias; sendo dura e firme diante de gente que insiste em me ver como a adolescente de 14 anos que um dia conheceu e liderou. Com toda a boa vontade do mundo, tenho sido tolerante com certas situações, mas a paciência esgotou-se hoje. E aí, já viu...

Não gosto de chegar nessas situações-limite porque me conheço. Vou aguentando muita coisa por muito tempo, até que um dia a gota que faltava cai e eu mostro como posso ser o que as pessoas acham que eu não posso ser. E o pior disso tudo é que, uma vez alcançado esse limite, dificilmente volto atrás com a pessoa.  Me arrependo do nervosismo, sim, mas de resto continuo me vendo detentora da razão. E por quê? Porque sei o quanto me esforço para levar tudo de boa, sem dar merda para ninguém. Sei dos sapos que engulo, ignorando a folga alheia, tuuuuuudo para não chegar onde chegou hoje.

Mas ok.

Ok nada, tô super incomodada com a situação. 

Mas ok.

Como eu gostaria que as situações da vida se resolvessem numa conversa e cada um soubesse seu lugar, seu papel, sua responsabilidade, sem manipulação, sem interesses próprios movendo as ações, com cooperação, com envolvimento mútuo e com sinceridade. E acho, sim, que tudo isso é perfeitamente possível. Só não é comum.

Há alguns dias atrás sonhei a noite inteira. Três sonhos significativos, com começo, meio e fim. Muitos detalhes, lembro de todos eles. Um teve a confirmação no dia seguinte, como o de hoje. Outro foi devidamente passado adiante e o terceiro guardo aqui comigo. O tipo de sonho em que você acorda, volta a dormir e ele continua exatamente de onde parou. E isso aconteceu umas duas vezes. Se dormisse de novo, pela manhã, certamente ele continuaria. Mas me esforcei para não dormir e tudo parou.

No sonho que levo comigo, percebo que muita coisa faz sentido somente para mim - ou seja, não é um sonho premonitório. É um sonho que reflete em outra pessoa algumas dúvidas minhas. Acho que é meu inconsciente falando, me mostrando de forma lúdica, com imagens, questões que povoam minha mente. Na verdade, tenho certeza disso. E entendi o recado. O que fazer? Nada. Meditar a respeito. Tem a ver com questões profundas minhas e só fui reconhecer isso porque os móveis do lugar eram extremamente antigos, embora a situação do sonho em si seja totalmente atual.

Anos e anos de observação dos próprios sonhos...rs

"Às vezes as coisas são o que apenas parecem ser, sem nada demais", já dizia Bukowski. Mas às vezes o buraco é muito mais embaixo. 

Queria escrever sobre um video budista, mas ficará para o próximo post. Pois, assim como vêm, as palavras vão, se perdem, se confundem. Melhor deixar para a próxima mas, já adiantando, não concordo com muita coisa do que ouvi e li.

Fácil uma monge budista falar de amor, sem nunca ter se perdido na loucura de uma paixão, sem noites em claro, sem pensamentos confusos, sem o turbilhão na mente próprio dos apaixonados. Não.

















segunda-feira, 13 de junho de 2016

Magic




Fico me perguntando o que escrever, afinal.

Acho que Roberto Carlos descreve bem um mundo de coisas em "bicho.... foram tantas emoções".

As férias foram providenciais, vejo agora. Se estivesse trabalhando estaria em pânico. Como tenho tempo - pois realmente me desliguei do trabalho, coisa que estava duvidando que faria - não estou em pânico. Gosto muito de organização, mas não posso dizer que sou a pessoa mais organizada do mundo. Só que se realmente tem uma coisa que me incomoda é bagunça e, com os dias livres, tenho colocado tudo em ordem: roupas, livros, partituras, coisas do candomblé - rende um parágrafo à parte.

Coisas do candomblé. Como foi difícil, hoje, me deparar com a parte do armário dedicada às "coisas do candomblé" (para o leitor não viajar na maionese nessa hora, especifico: apostilas; cadernos; livros; missangas para fios; baralhos e mais baralhos de tarô; velas; cigarrilhas; incensos. Só). Fui tirando tudo para abrir espaço e não sabia exatamente o que fazer com as coisas, mas o problema não foram os objetos e sim as lembranças que eles trouxeram.

Fiquei melancólica. Senti uma certa frustração. Tantos sonhos, expectativas, experiências, tempo, dinheiro, estudo, tanta coisa investida nessa religião, sete anos a partir da iniciação com as dúvidas na cabeça (para onde vou? O que Oxum quer de mim? Vou ser mãe-de-santo?), convivendo semanalmente com os ensinamentos orais passados como quem não quer nada, na cozinha do terreiro - candomblé é assim: hierarquia rígida, discrição, olhos e ouvidos atentos; muita coisa é ensinada só quando realmente for preciso saber, quando a situação pedir, quando algo estiver sendo feito e um esclarecimento for necessário, ou quando o pai de santo estiver de bom humor e, entre uma brincadeira e outra, sussurrar algo que te faça pensar por dias a fio. 

Convivendo semanalmente com espíritos que se intrometem na casa e prontamente são "convidados" a se retirarem, com os espíritos que acompanham os clientes que chegam, em desespero, no terreiro, tomando banhos sagrados para saudar o orixá, nunca sabendo exatamente o que pode e o que não pode acontecer, ou se "ver". Assim é um terreiro de candomblé, contato constante com o sobrenatural.

Me veio a lembrança da última incorporação da Oxum, não porque eu me lembre, mas porque me contaram - o orixá chorou. O orixá saudou o pai de santo no chão, levantou-se, abraçou-o e chorou, chorou muito, fazendo com que ele rapidamente fizesse o orixá sair do cavalo (no caso, eu). Evidente que eu sabia que tinha chorado pois sentia o rosto molhado de lágrimas, mas não sentia vontade de chorar e não sabia porque Oxum tinha chorado. Ela, a dona dos homens e mulheres que choram.

Na época, todos relacionaram isso ao fato da mãe do pai de santo estar enferma e sua morte iminente.

Hoje, fico pensando se Oxum não estava chorando por saber que seria a última vez que estaria incorporada em mim, pelo menos dentro daquele terreiro.

Terreiro que não existe mais, aliás. A casa, alugada, foi pedida de volta e quando fui buscar Oxossi apenas ele estava lá, como orixá. Todos os outros - e todo o resto, móveis, tudo - já haviam sido retirados. Eu não sabia. 

Falo muito de mim como filha de santo iniciada na religião, mas não podemos esquecer que Ricardo também é um  yawo, mais novo do que eu, um filho de Ayrá, Deus da justiça, do trovão, uma espécie de Xangô mais calmo. Eu sou filha de Oxum e Xangô, tenho a deusa africana mais linda como mãe, e o deus mais poderoso e bravo como pai. Tenho a personalidade dos dois comigo. Ricardo tem Ayrá, justo e poderoso, como pai, e Iemanjá, senhora das águas salgadas, um pouco avoada, como mãe. Ayrá e Oxum são, por sua vez, pai e mãe do pai de santo.

Falo isso porque é sabido que se um pai ou mãe de santo fizer um Ayrá e deixar o orixá sair da casa, o terreiro se desfaz.

Ouço isso desde que entrei no candomblé; e foi exatamente o que aconteceu. Ayrá, deus justo, saiu; o terreiro acabou.

Acho muito interessante saber o orixá das pessoas, principalmente porque realmente batem com a personalidade da pessoa. 

Voltando aos fatos, tudo isso me passava pela cabeça enquanto tirava item por item do armário, sem saber o que fazer com tudo aquilo, sem saber o que fazer com as lembranças, com o vazio, com as fichas que foram todas apostadas em.... nada.

"Ah, experiência", você pode argumentar. Experiência, sim.... experiência.... e que experiência!

Quando falo para as pessoas que saí do candomblé percebo, impreterivelmente, um alívio. Com muita boa vontade, esse alívio às vezes é disfarçado num "hum, mas não era esse mesmo o caminho, né Ana". Às vezes, nem isso: "ah, que bom porque mexer com essas coisas não é bom mesmo", assim, com os dois pés no peito. Nessas horas, dependendo de como estou - e estou tão cansada de tudo - não esboço nenhuma tentativa de "mas você não conhece para falar". 

Acho que dou um sorriso pálido e educado, e calo.

O que percebo é que o preconceito em relação ao candomblé e à religião africana de modo geral é tão forte, tão estereotipado e tão vazio de realidade e informação que, estando cansada, o melhor é calar, mesmo.

"Você está cansada? Mas está de férias". Estou sim, leitor. Estou cansada e tratando a depressão. Busquei ajuda médica e também busquei ajuda espiritual. E isso é o máximo que vou escrever sobre mim, porque realmente cansei de tudo, inclusive da música - fundo de poço, cansar de música. Parei de ouvir, voltei a ouvir, parei de novo e agora parei mesmo. Evito sair de casa, cumpro os compromissos com Brexó, com Café, ouço o necessário, mas o leitor não sabe que  isso não é o normal porque sou fissurada em música. Eu ouço o tempo todo, o dia inteiro se puder, ou toco o dia inteiro, eu amo. Amo. Ser musicista sempre foi a meta desde criança, desde antes de saber o que era meta... acho linda a frase "a música me escolheu", ouço muitos músicos falarem isso, acredito ser verdade, tenho a minha vida e a de outras pessoas como prova de que realmente é assim que acontece com músicos com M maiúsculo, aqueles que têm a coragem de fazer disso a sua vida e não só um comércio ou uma alternativa para inflar o ego.

E tenho observado muito disso. Ego.

"Ainnnnn tá, vai dizer que não gosta de palco" - claro que gosto. Mas tenho minhas dificuldades. Sempre tive. Eu trato música como algo sagrado e transcendental. 

Em dias assim - esses dias - todas as dificuldades ficam acentuadas. E recebo os feedbacks delas. 

Não sei se consigo me expressar direito a respeito do que penso sobre música. Poderia escrever assim "música é o que importa, dane-se eu". Não sei se a frase seria totalmente verdadeira, mas que tem um grande potencial para ser, tem, sim. 

Em dias assim, esses dias, tem todo o potencial para ser uma frase muito autêntica.

"Evito sair de casa" - hoje nem vi o sol. Com os remédios agindo, me sinto um pouco anestesiada. Minha vontade às vezes é ficar perdida naquela mata que está na estrada para o "Bar da Cachoeira", em Joaquim Egydio, rs (o Bar da Cachoeira está localizado numa região que poderíamos chamar de difícil acesso, em Campinas - fica numa fazenda; passando Joaquim Egydio, sobe-se uma estradinha de terra sem fim, para finalmente se chegar ao local. É famosíssimo como a melhor gastronomia de Campinas e várias vezes toquei lá. Antes dessa estrada de terra, passa-se por uma mata fechada, com uma entrada 'formal' - deve ser um bosque, não sei, deve ter trilhas - e sempre, sempre, ao passar por esse local, fico curiosa sobre o lugar. Quero entrar nesse bosque). 

Estou cansada de falar sobre mim, seja para o bem, ou para o mal, ou para esclarecer, ou para mostrar, ou para o que quer que seja. Toquei nesse fim de semana e procurei fazer o meu melhor, mas estava incrivelmente nervosa. O leitor não vai acreditar, mas passo mal, antes. Fico extremamente ansiosa. Misturei remédios para gripe, estômago, alergia, ombros doendo, coluna doendo, som excelente e a voz saindo com dificuldade, travada, tosse. Água. Penso em beber e imediatamente desisto da ideia ao lembrar que não posso misturar remédios e álcool (tenho misturado, aliás...). Forço a voz. Finalmente começa a ficar melhor. Eu não estava na vibe. Estava fria, distante, profissional - eu, que já não ligo muito para o público - honrando a data, cumprindo o compromisso, me esforçando para pôr sentimento naquilo, para sentir alguma coisa. Quando um amigo chega, a coisa muda de figura um pouco. Quando ele vem cantar comigo, me sinto finalmente à vontade. E é isso. No sábado, acompanhei meu marido no trabalho dele, de fotos. 

Fui para uma festa de 15 anos num belíssimo condomínio, belíssima casa, fiquei a tarde inteira observando os adolescentes, me senti maltratada pelo barman "quais drinks tem?", "estão no menu" foi a resposta seca, tipo "leia aí, sua burra" (leve em conta, leitor, que não estou bem, então posso não ter sido maltratada coisíssima nenhuma - só me senti assim). Drinks sem álcool para a garotada, escolho um com leite condensado - que seja doce, ao menos, foi o que pensei.

Aí o pai da aniversariante passa um video no final e faz um super discurso emocionado para ela. Chorei, atrás de uma pilastra. 

Não quero me colocar como vítima das circunstâncias. Não me considero vítima das circunstâncias. Mas não me importo em admitir que preciso de ajuda. E esse post será o primeiro e único em que isso será admitido e mencionado. Bola pra frente. Bola pra frente. Bola pra frente. Bola pra frente.

De resto, caro leitor,  pode observar minha carinha sorridente nas fotos e pensar, com razão, que estou sendo muito bem cuidada, que mesmo não estando cem por cento sei me portar socialmente e que não há razões para lamentações, se olharmos além. E realmente não há razões. Comentava isso com Ricardo, a caminho do Magnólia, ontem. A necessidade de tirar os olhos do próprio umbigo e olhar em volta, a urgência em se fazer algo. Ainda discutirei isso com o psicólogo e acho que ele não será a favor da ideia agora mas, assim que estiver melhor, quero tocar por aí - asilos, instituições beneficentes, onde quer que seja, onde quer que aceitem. Eu preciso. EU preciso. 

Isso também, só será mencionado neste post. Talvez os benefícios sejam mencionados em posts futuros.

E vamos para o lado pragmático da coisa. Depressão tem cura. Não vamos subestimar mas também não vamos superestimar. Algumas dificuldades sim, faz parte do processo, mas estamos aí, na coletividade; nos defendendo de situações que agravem a sensibilidade exacerbada - fugindo da música, por exemplo - e lidando com tudo de forma racional, melancólica e, talvez, com uma triste compreensão das coisas, das pessoas e dos acontecimentos.

Triste compreensão das coisas, das pessoas e dos acontecimentos. Sim.

Acho que nunca fui tão Lucy, num texto. 

O post começa com música, "Magic", Coldplay. Mas, não. Não a ouço.