quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Nossa Senhora tem covinhas.





E ontem teve a missa no santuário.

Eu, contrariada, porque foi decidido tocar as músicas que tocamos no domingo (e a homilia? Enfim). Músicas bonitas, mas... tem tanta música bonita para ser tocada ainda.

Cheguei no santuário, arrumei o piano, me ajoelhei diante da imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós e fui sincera: "eu não queria estar aqui". Desatei a falar todas as minhas dificuldades não só com a igreja. Minhas dificuldades internas também, minhas dúvidas, minhas inquietações. A imagem, enorme, olha diretamente para baixo, para onde as pessoas se ajoelham. Ela não é sorridente, mas ela esboça um sorriso. Não aquele tipo de sorriso insosso. Ela não é impessoal. Qualquer imagem da Desatadora sempre vai estar olhando pra vc, caso vc se ajoelhe diante dela, com um semblante amigável.

O fato é que, várias vezes, tive a impressão de um sorriso um pouco maior em sua face. E foi o que vi ontem. Vi uma imagem se segurando para não rir abertamente, e vi covinhas! Vi covinhas no rosto de Nossa Senhora! Claro que não existe covinha nenhuma, mas elas vinham do esforço em segurar uma risada!

Sou meio louca e o subconsciente é poderoso, mas enfim. Fui para a lanchonete e, droga, o digníssimo senhor está lá. Sento a contragosto num lugar que fica bem onde ele iria passar para sair. E ele passa e se detém "tudo bem com você?" e eu "tudo bem, graças a Deus". 

Não tem um dia que o digníssimo senhor não me dirija a palavra, seja para dizer "quero ouvir a sua voz", seja para "tá tudo certo aí", enfim, alguma coisa ele vem e fala. Quando faz isso perto da banda, tooooodo mundo quer saber o que ele falou (porque ele não fala alto. Ele te chama e fala pra vc). 

Sinto o povo pisando em ovos em relação ao Denis. Acho que muitos músicos já sofreram nas mãos dele, que faz coisas do tipo pedir para a banda parar de tocar porque "está muito ruim" (no meio da missa! No microfone!!). Acho que hoje consigo colocá-lo em seu devido lugar, falando com sensatez.

Claro que o francês é a estrela do lugar. O Santuário tem a marca inconfundível desse senhor. Excêntrico, europeu, falante, percebo que muitas coisas ele faz de propósito, como gritar um "amém?" que faz o povo dar pulo no banco de susto, para depois se virar morrendo de rir para o padre e os ministros que estão atrás. Os fiéis não vêem mas eu vejo, já que estou quase ao lado do altar, embora longe. 

E ele chama pra si essa responsabilidade, também. O padre dá a benção final e vai embora, enquanto ele pede para as mulheres grávidas virem à frente (ontem foi a missa das gestantes e mulheres que querem engravidar), conversa com elas, asperge água benta, aconselha. Muitos fazem fila para falar com ele no particular. Outros vão e apresentam suas crianças, dão testemunho no microfone.

A igreja está sempre, sempre, lotada. É impressionante.

Bom, voltando à minha parte, que é a música, o fato é que ontem foi a mais bela missa que já fizemos no santuário até agora. Tranquila, centrada, o piano ressoando, eu querendo passar cada parte do meu ser em todas as teclas, cantando como se rezasse, implorando com as palavras. E segura, muito segura. Já na homilia o vocalista vem para mim e fala "essa missa está liiiinda, olha a calma, a suavidade das canções". 

Para calar a minha boca, os meus pensamentos, o meu mal humor, a minha indisposição. A missa foi perfeita e todas as músicas saíram firmes, como se tivéssemos ensaiado.

Na hora de rezar o Pai Nosso quase chorei. É muita gente numa mesma vibe. A presença de Deus era sufocante. Olhava para o teto e quase dava para ver a atmosfera espiritual pulsando, uma força latente... como explicar? 

Me sentei diante do piano e as indagações vieram. Por que estou aqui? Por que eu? Eu não sou digna de estar aqui. Etc etc etc...

Cada uma das mil e não sei quantas pessoas que estavam ontem lá foram com muita sinceridade em busca de algo, ou para agradecer, enfim. E eu lá, com o meu piano, com a minha voz, tendo que adorar e consequentemente levar essas pessoas à adoração também. Olhava para a igreja e a responsabilidade espiritual de assumir esse lugar começou a ficar clara, como se alguém me explicasse pacientemente tudo o que escrevi acima. É um lugar de honra, me disseram. E eu novamente disse "entendo, mas é que não sou digna mesmo. Mas estou disposta".

Fora os olhares. As pessoas olham, né? Ficam te olhando, te observando. Eu vejo a história se repetir, como era na igreja evangélica. 

Saí de lá com uma incrível sensação de paz. Não quis quebrar isso na volta, não liguei o radio no carro. Viemos, os dois, em silêncio, conversando o mínimo. 

As dificuldades continuam as mesmas, a birra com o digníssimo senhor se dissipou um pouco, não sei o que o futuro me reserva, se vamos continuar lá ou não mas, como eu escrevi ontem... o lugar é santo.


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