segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Danse Macabre






Um pouquinho de calma para escrever no blog.

Gostaria que os textos fossem mais frequentes como já foram - diários - mas muitas coisas se infiltraram no meu dia-a-dia e me afastaram um pouco da internet, de modo geral. Dizem que é bom; eu digo que tanto faz como você usa o seu tempo livre, desde que te proporcione prazer. Enfim.

E uma coisa que me proporciona prazer é tocar piano. Definitivamente!

Ontem estive num ensaio muito bacana, tocando uma peça a dois pianos que já tinha feito no Conservatório. Lógico que isso é uma mão na roda pra mim, mas claro que eu tenho que treinar também. Procrastino, como sempre, porque sei que ela sai. Talvez com um mês de ensaio diário ela esteja pronta. Como só vou apresentar no final do ano, não tenho me preocupado. Às vezes, de bobeira, pego algumas partes mais complicadas, em casa.

Enfim, ontem finalmente juntei com o piano 1 e fomos até determinado ponto; não fomos muito, porque é uma peça longa. Ela não é difícil - "Danse Macabre", de Camille Saint-Saens - mas tem trechos trabalhosos. Repete-se muito, o tema é fácil para decorar, é divertida, enérgica. Claro que ainda não chegamos aí "nisso tudo". Estamos tentando encaixar os dois pianos, musicalmente, o que também não foi trabalhoso, ontem. Para primeiro ensaio, a coisa fluiu muito bem. E a forma como foi dividida entre pianos eu, particularmente, acho divertida.  A dança da morte.... o leitor percebe que a estudante de piano aqui era eclética no que diz respeito a repertório.

Danse Macabre é um tema interessante. Existem várias teorias  a respeito do surgimento da ideia; uns dizem que o pontapé inicial foi a partir de um afresco pintado em 1424 num  cemitério em Paris; outros, que veio de um poema alemão de data anterior, do séc. XII e um grupo de estudiosos considera a Espanha como lugar de origem... junte-se a isso a época da peste negra e pronto, está criada a noção de que a vida é frágil e que a morte espreita a todos.

Esse "a todos" é primordial dentro do 'espírito' da Danse Macabre, que nada mais é do que a personificação da morte, conduzindo uma fila de indivíduos de todas as camadas sociais, representados por esqueletos, dançando em direção aos próprios túmulos. 

A peça em si retrata isso de forma magistral. Mas existem outros pontos que podem fazer um link com o seu emocional, também. Aliás, quem já fez aula de piano comigo sabe: depois da música tirada e tudo certo, dá-lhe um pouco de história sobre a composição e o autor, além de uma conversa sobre o que a música está provocando no aluno; quais os sentimentos que ela evoca; o que ele pensa quando toca tal trecho, quando canta tal frase, quando faz tal fortíssimo ou pianíssimo; enfim, o que ele vai acrescentar emocionalmente, o que vai jogar para cima das teclas, traduzindo em som. 

Na Danse Macabre, temos o cortejo alegre e despreocupado que na verdade retrata todos nós, seres humanos, dançando de forma descuidada em direção ao destino fatal. Mas podemos acrescentar os elementos de perda de cada pessoa, e aí a coisa muda um pouco de figura.

Perto do final, existe uma sequência de acordes no piano 1 que segue um determinado ritmo (é uma valsa) que cria uma expectativa decrescente no ouvinte. A sequência, que começa obedecendo ao compasso, entra num ritardando e os acordes começam a ficar escassos e entrecortados; não obedecem mais ao ritmo; ficam piano, pianíssimo talvez, até que param e surge uma parte muuuuuito triste e melódica no piano 2. Essa sequência de compassos, para mim, representam uma respiração entrecortada e agoniante ou as batidas descompassadas de um coração prestes a parar. E, inevitavelmente, a respiração entrecortada do meu pai, no hospital, me vem à memória, enquanto eu o observava da porta do quarto, sussurando "respira. Respira". Eu sabia que ele não ia respirar. Foram seus últimos suspiros.

Foi estranho vê-lo morrer. E ao mesmo tempo foi um alívio tão grande. Ele estava sofrendo e eu, rezando há alguns dias "Deus, se o Senhor não pode deixá-lo, por favor, leve-o".

Então essa parte específica da música, para mim, são os acordes finais da vida do meu pai, nitidamente.

(Leitor, sem muito sofrimento, ok. Isso é uma constatação. Eu estou bem e feliz. Eu estou animada. Eu estou consciente e racionalmente equilibrada. Pé no chão).

Enfim, de tudo isso, posso tirar o seguinte: como eu adoro o piano, Jesus! Como eu amo esse instrumento... como eu ficaria a noite e a madrugada inteira repetindo a primeira parte da música apenas pelo prazer de fazer, de ouvir, de tocar, tudo. Nessas horas eu penso que continuo mais pianista do que nunca, não importa o quanto eu cante; eu amo cantar. Mas tocar é minha vida mesmo, é o que de fato eu mais gosto de fazer. E o ERUDITO. O erudito. O erudito é o prazer, é o desafio, é a sensibilidade, é a voz da minha alma. O erudito é só meu. 

Boa segunda.




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