quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Me dá um abraço.




Aí ontem eu toquei na missa, né?

Santuário lotado como sempre, eu mal humorada porque, evidente, musicalmente eu sou um porre de pessoa e simplesmente fui tocar sem saber O QUE TOCAR, pois nada foi passado. Numa missa para duas mil pessoas, que é a média do lugar durante a semana, pô.... transmitida pela web, pô! Estou lá, num consenso geral de que vamos fazer o repertório de semana retrasada, tals.... não me agrada essa coisa de fazer qualquer coisa, acordinho de dó, sol e fá. Isso eu ensino para os meus alunos. Numa missa desse porte, não posso me ater apenas a isso! 

E nem vamos mencionar o contexto espiritual da coisa.

Enfim, estou lá com os músicos quando uma moça vem conversar comigo. Diz que é a missa de sétimo dia de um amigo e que ele gostava muito do Elvis. Pergunta se é possível tocar alguma coisa do Elvis... digo que, infelizmente, lá não seria possível. A moça entende e ok.

Fazemos a missa, não queria comungar pois não me sentia digna de tomar a eucaristia com raiva mas acabei comungando, ficamos lá depois já para discutir o repertório da próxima (o que achei ótimo), e fomos os últimos a sair. Não tinha mais ninguém na rua lateral da igreja, onde estava estacionado o carro. E eis que, devagar, sobe pela rua um casal de idosos. 

Eles vêm em minha direção e começam "como você canta bem, que maravilha, linda missa, é seu esposo? Nossa canta muito bem também" etc etc etc e no meio da conversa a senhora vira para mim e fala "essa foi a missa do sétimo dia de morte do nosso filho".

Imediatamente pergunto "o que gostava do Elvis?" e ela "sim", e me mostra uma foto dele. Trinta e seis anos, motoqueiro. 

Sem saber exatamente o que fazer, abraço a senhora e você, leitor, não tem ideia da simbologia desse abraço. Eu ainda estou processando. 

Porque me foi negado um abraço. Dentro do pátio do santuário. Coisa que achei inadmissível, horrível, chocante, terrível - vindo de quem veio, um senhor que se diz cristão mas que não abraça MULHERES! E justo comigo, eu, eu, eu, a Lucy feminista, a Lucy filha da Oxum, a Lucy que era a única capaz de colocar as mãos nas ofertas às perigosas Iyamis, mães ancestrais,  representantes de todo o poder feminino de acordo com o candomblé e que odeiam os homens, eu, que compactuei com elas tantas e tantas vezes, que as adorava (ainda respeito, muuuuito) enquanto todos tinham medo e de repente esse senhor de grande representatividade no catolicismo me nega um abraço na frente de outras pessoas porque EU SOU MULHER! Isso, dentro de uma igreja consagrada à uma mulher - MARIA!

O fato gerou mil teorias na minha cabeça. Será que ele achou que eu estava assediando-o?! Será que ele sentiu Oxum, pombagira, Xangô e todos os orixás e entidades que me acompanhavam no candomblé?! Será.... será....será...???

O leitor pode imaginar a ira que isso gerou em mim?

Foi isso que aconteceu no fim de semana e que escrevi no post anterior.

E de repente estou eu lá, no meio de uma rua escura e deserta, abraçando uma senhora que nunca vi na vida e que chora no meu ombro a perda do filho. Fico imaginando se ela tivesse ido conversar com ele, com esse senhor. Ele não a abraçaria? Não abraçaria uma mãe que chora a morte de seu filho por ser MULHER?? Iria ignorá-la e falar o que falou para mim sem nenhuma justificativa plausível? 

Que espécie de cristão é esse, que separa as pessoas por gênero?!

Bom, sorte que não foi com ele. Foi COMIGO. E eu a abracei e a consolei como pude.

E isso gerou em mim um sentimento de auto estima que, de certa forma, amenizou um pouco a raiva que nutri durante todo o fim de semana. Não só raiva.... rejeição, principalmente. E fui muito bem 'trabalhada' nesse sentimento durante a minha vida.

Evidente que os livros que ele escreveu e que eu tinha comprado, não li e provavelmente não lerei. Uma pessoa que não tem a capacidade de abraçar uma mulher não tem absolutamente mais nada para me ensinar...

Mas fico pensando no porquê dessas coisas acontecerem comigo da forma que acontecem, sabe. Pôxa, entre duas mil pessoas... e por que o casal ficou lá até o final do final do final? Nós saímos junto com os últimos funcionários.

Sei lá. Mas sinto que tem lições aí. Eu sinto que estou sendo assistida e também provada. Provada. Provada. E ouvida. É meio... gera um certo temor, isso.






Nenhum comentário:

Postar um comentário