"Vc não menciona meu nome nesse blog, né?" foi a pergunta do meu esposo.
"Não. Vc quer que eu escreva sobre vc?" respondi. "Fique à vontade", veio a resposta.
Escrever sobre o Ricardo. Bom...
A gente se conheceu num a época difícil da minha vida, com meu pai doente, eu ciente da seriedade da coisa depois de salvá-lo de uma parada cardiorrespiratória por conta da rapidez com que acionei o hospital. Estava atenta naquela noite. Meu sono era intermitente. Quando ele começou a tossir sem parar, antes das 6 da manhã, imediatamente levantei e chamei uma ambulância.
Nas semanas que se seguiram, ele internado na UTI, eu tendo a ajuda preciosa do Erike, Ricardo se aproximou. Eu já o conhecia, da igreja. Na verdade o conheci num programa de rádio. O que me chamou a atenção nele foi a camiseta que vestia, com menção ao Oscar. "Ele gosta de filmes, huummmmmm" foi meu pensamento, porque a última coisa que eu queria era namorar com um crente chato, fechado ao mundo, trevoso.
Nesse programa de rádio ele nem olhou para a minha cara, apenas eu o observei. Sabia que ele era de fora da cidade porque conhecia todos os carinhas daqui.
Quando meu pai voltou para casa, precisava de cuidados constantes, porque veio com uma bolsa que continuamente limpava o canal urinário e era preciso trocá-la. Contratei uma enfermeira. Eu não podia ficar sem ninguém para revezar comigo, eu precisava dormir também. E essa enfermeira me incentivava a sair de casa e não ficar 24 horas presa nele. Foi num desses incentivos que aceitei um convite para almoçar fora com o Ricardo.
Três meses se passaram, meu pai chegou a conhecê-lo, chamou-o uma vez para junto da cama, isso já na Unicamp, no final da história toda.
O choque do falecimento do meu pai não se compara ao falecimento da minha mãe. No fim eu estava rezando para que Deus o levasse, pois não aguentava vê-lo sofrer sem poder fazer absolutamente nada. Então, foi uma espécie de alívio quando ele finalmente descansou, mas é como toda morte... você nunca está preparado realmente. A ficha cai nos dias, semanas e meses seguintes. E Ricardo estava do meu lado o tempo todo.
Comecei a gostar do jeito simples dele, romântico, extremamente bem humorado. E ele ainda era bonito! Ele era um cara descolado e vivido, tinha uma voz linda. Me pediu em namoro numa praça pública em Indaiatuba, ajoelhado diante de mim, as pessoas passando e olhando, aplaudindo.
E aí tudo foi rápido, nos casamos e começamos a nos conhecer dentro do casamento, de verdade. Evidentemente, os problemas surgiram.
Poderia descrever muitos defeitos dele, mas os principais: ele era ciumento, agressivo. Totalmente impaciente. Me dava respostas atravessadas que eram igualmente respondidas, eu tenho os mesmíssimos defeitos. Um temperamento forte e difícil e dobrar, e eu, carente, exigindo atenção total, sem paciência com a igreja, aturando a igreja, fazendo seminário (!), os dois imersos na igreja evangélica mas, aqui e ali, fugíamos para qualquer bar e eu, escondida, bebia, enchia a cara.
Eu posso dizer, hoje, que a gente tentou tudo o que podia e o que não podia para a igreja funcionar na nossa vida, mas éramos nós que não nos encaixávamos nela. Mas nós queríamos. E tentamos. Ele não se sentia tão mal lá, mas eu.... eu comecei a pegar uma birra de HOMENS.
Vai vendo.
O ambiente machista da igreja me repelia. Nessa época a gente já estava em Indaiatuba e eu ajudava a Soninha com o coral da Nazareno, enorme. Tocava piano, tínhamos lançado um cd, viajávamos por aí para divulgá-lo, muitas histórias interessantes nesse interím. Mas espiritualmente eu não estava feliz. Eu era líder de um ministério mas não era consultada nas horas das decisões, o que me irritava profundamente. Mas devo admitir: numa época aqui, antes de irmos para Indaiatuba, a igreja estava funcionando. O louvor era lindo, redondinho, muito melhor do que a igreja enorme da Indaiá.
De repente tudo foi por água abaixo e ele quis se separar de mim.
Ele tinha os motivos dele. A gente não se entendia. Eu não conseguia superar muitas coisas. Ele achava que estava tudo certo, mas na verdade não estava, e eu não estava feliz. Pra complicar, uma terceira pessoa - minha melhor "amiga" - se meteu no casamento e ele saiu de casa para pensar se ficaria comigo ou com ela.
Foi um choque, mas não insisti muito. Numa segunda, estava empacotando as coisas dele quando ele me liga, querendo voltar. Conversamos. Decidi voltar. Pediu perdão. Eu também pedi, sabia que tinha negligenciado algumas coisas. Voltamos.
Não vou negar, não foi fácil superar isso. Fui obrigada, depois de anos, a voltar na igreja e perdoar essa moça na frente do pastor, para que ela pudesse continuar com as atividades na igreja. Chorando, ela me pediu perdão. Eu a abracei e cumpri o protocolo, pastor sentado, atento, observando. Disse que a perdoava.
Rs. Quem me conhece sabe. Minha vontade era acabar com a vida dela.
Ela teve o que mereceu, ficou muito marcada por esse episódio e, por continuar na igreja, teve que arcar com as consequências disso. Hoje acredito que tudo está superado, pelo menos da minha parte. Nem me lembro que ela existe. Não, não pense que o perdão está de alguma forma ligado a uma suposta ligação de amizade novamente. De maneira alguma.
Aí meu casamento realmente começou, sem máscaras de ambos os lados. E eu fui me sentindo segura novamente. Passamos por cima disso e não ficou ressentimento nenhum de todo esse rolo. Ficaram, sim, algumas lições importantes.
O que eu busco no casamento, antes de mais nada, é um parceiro para a diversão. Sim. Porque não adianta, eu acredito que serei uma eterna moleca, e não poderia ser diferente porque senão não conseguiria acompanhar o ritmo das piadas do Ricardo. Só alguém que gosta muito de zoeira consegue ficar ao lado dele, porque ele é zoeira a maior parte do tempo, uma criança. Continua com alguns defeitos, maneirou em outros, assim como eu também tive que maneirar nos meus. Mas existem enormes qualidades. Franco. Sensível ao extremo. Companheiro. Ricardo é de escorpião... intenso, profundo, difícil, mas acaba se tornando um desafio para mim chegar lá, no âmago dele, fazer com que ele se abra para mim, com que demonstre as emoções, as fraquezas, diante de mim. Não sou a mulher que vai botar banca em cima disso. Eu sou a companheira que irá ajudá-lo. Claro que existem os momentos sérios, de conversas profundas. Ainda existem as brigas, poucas.
Brigas. Eu sou terrível. Eu admito. Eu sou agressiva. Não me faça perder o controle porque eu não respondo por mim. Existe esse lado. Mas hoje também existe um sentimento de "preguiça" em relação a isso. Entre ter razão e ter paz, acabo escolhendo a segunda opção. O que colaborou muito para que minha relação com o Ricardo ficasse melhor foi que aquela birra contra homens - existe uma razão bem específica para ela - foi diminuindo com o tempo. Foi ficando pequena, foi sendo entendida, assimilada, compreendida, perdoada.
Isso graças a Deus e à Desatadora, em primeiro lugar e, em segundo lugar, a alguns homens que conheci e que se mostraram sensíveis, amigáveis, honestos, amigos, compreensivos. O Ricardo nunca foi invasivo no que diz respeito ao que eu penso. Ele nunca impôs alguma coisa nesse sentido, sempre respeitou minhas dúvidas, questionamentos. Acho que ficou mais fácil para ele a partir do momento em que comecei a me abrir de forma franca. Porque eu tive, no começo, muuuuuuuita dificuldade em me abrir. E ele não tinha bola de cristal para saber o que eu estava pensando.
Eu sou assim até hoje, as pessoas que me conhecem mesmo são pouquíssimas.
E hoje, mesmo depois de 10 anos juntos, continuamos nos conhecendo mais e mais. Eu continuo, sim, exigindo atenção. E ele me dá. Nós não somos pessoas perfeitas e sabemos disso mas, lado a lado, estamos tentando fazer o nosso melhor um pelo outro, sem perder o bom humor, as brincadeiras um com o outro, a aceitação um com o outro, a tiração de sarro de um para com o outro, o porto seguro que ambos querem quando chegam em casa depois do trabalho. Um casamento de parceria e com amor. Porque, no fundo, é o amor que segura tudo.